A
história da educação no Brasil, ao contrário do que se possa imaginar, em seu
início ficou mais a cargo da iniciativa privada do que do poder público. No tempo
da dominação portuguesa, chegou a ser obstacularizada a educação de brasileiros
para não dar azo à formação de idéias. Com a independência, embora permitida, a
educação não encontrou conjuntura propícia para se desenvolver, mormente no
sertão nordestino, longe dos maiores centros e onde as condições sempre foram
adversas. Por muitos anos o poder público não conseguiu fazer-se sentir no
sertão longínquo, mesmo na fase republicana. Ali, até a primeira metade do
século passado, via de regra, imperava a ignorância e o analfabetismo. O poder
público sempre foi ausente, não só na área da educação, mas em todas as demais,
como p. ex., segurança, que ficou entregue aos semi-analfabetos coronéis da
Guarda Nacional e que quase sempre eram delegados dos distritos; saúde, cujas
consultas eram feitas aos boticários das vilas e cidades, e os partos entregues
a parteiras incultas, onde as conseqüências seriam o elevado número de jovens
mães falecidas ao dar à luz. Nesse quadro caótico não poderia ter melhor sorte
a educação. Convenhamos, mesmo nos tempos modernos a educação quase nunca foi
prioridade de governantes. Houve até quem a combatesse em terras alienígenas, a
exemplo de Hitler, que aconselhava em seu famoso livro Mein Kampf, que se transformaria na bíblia do nazismo, à Alemanha a
fechar as escolas da Polônia após a invasão, “pois todo elemento educado é, em
potencial, um inimigo do Estado”. Diferentemente dessa conduta, e com
argumentos contundentes, nos albores do século XIX, bradava nos Andes o
legendário libertador Simon Bolívar, que se precisava educar os povos
hispânicos então libertos, pois “a ignorância gera escravidão” e a “escravidão
é filha das trevas”.
Foi na
ausência do poder público brasileiro e pensando em tirar o povo das trevas da
ignorância que surgiram, no vasto sertão nordestino, iniciativas pioneiras de
sertanejos beneméritos, estabelecendo escolas, irradiando saber, acendendo
mentes, propagando ensinamentos e, de qualquer forma, disseminando cultura, a
exemplo do padre Marcos de Araújo Costa, na fazenda Boa Esperança, em Jaicós,
no Piauí, e do padre Inácio de Souza Rollim, em Cajazeiras, na Paraíba, para
citar apenas dois dos mais expressivos.
Em
tempos mais recentes, na primeira metade do século XX, pode-se lembrar os nomes
de Odilon Nunes, cognominado “o acendedor de lampiões”, e Francisco da Cunha e
Silva, seu sucessor, em Amarante; do Professor João Siqueira Paz(Prof.º Salu),
alternadamente em Angical e Regeneração, todos na região médio-parnaibana do
Piauí. Foram essas iniciativas pioneiras encetadas por denodados cidadãos,
desajudados do poder público, mas obstinadamente lutando contra o meio,
empenhando-se em acender lampiões ou fagulhas de saber no árido sertão,
convencidos de que a melhor maneira de se ajudar um País é preparar intelectualmente
a juventude. Entre esses pioneiros, verdadeiras formigas do deserto,
trabalhando na aspereza do meio e na ausência do poder público, encontra-se o
mestre baiano Joaquim da Silva Brasil, cuja vida foi a de um professor
itinerante que percorreu e distribuiu saber pelos mais longínquos rincões de
três unidades da federação, acendendo lampiões de saber e, assim, ajudando a
seu modo, a construir a história de nossa nação. A esse tempo é bom se
esclarecer que a história não é feita somente pelos grandes líderes, pelos
governantes, pelos ditos “notáveis” que trabalham sob os olhares da nação, mas
por toda pessoa do povo e, sobretudo por pioneiros como estes que acabamos de
citar. A ação alfabetizadora de mestres leigos e itinerantes como Joaquim da
Silva Brasil foi marcante no esquecido sertão de seu tempo, pois a história de
seus inúmeros alunos não seria a mesma sem suas sábias lições. Certamente,
fizeram algo mais do que diversos governantes seus contemporâneos. É este o
principal motivo de estarmos a resgatar o nome deste inolvidável mestre, não
sem razão nosso avô paterno, traçando o seu perfil e tirando-o do limbo do
esquecimento, que a nosso ver é o mais nefasto dos males.
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O
Professor Joaquim da Silva Brasil era uma vocação nata para o magistério,
exercendo essa atividade durante toda a vida, sem nunca dela se afastar. Foi,
também, agricultor e poeta. Por não ter publicado nada, sua produção literária
desapareceu por completo. Entretanto, seu filho primogênito e também poeta
Josias da Silva Brasil, de saudosa memória, declamava um poema de sua autoria
denominado O Descobrimento da América.
Para ele seu pai “não fazia poesias
piegas. Seus poemas eram voltados para a educação, tendo por temas grandes
fatos históricos, ajudando a ensinar seus alunos”.
Nasceu o
professor, agricultor e poeta Joaquim da Silva Brasil a 12 de novembro de 1903,
no arraial de “Santa Rita”, Município de São José da Casa Nova, hoje Casa Nova,
à margem esquerda do rio São Francisco, na Bahia, e encostado na divisa com
Pernambuco e o Piauí. Foram seus pais Joséfa Naára Batista Ramos de Brito,
prematuramente falecida, e o capitão Bernardino Eugênio Rodrigues da Silva
Brasil, fazendeiros na fazenda “Braúna”, de São José da Casa Nova. Em razão do
nome do pai, no início da vida o filho ficou conhecido por “Joaquim
Bernardino”. Era neto paterno do coronel Eugênio José Gregório Rodrigues da
Silva, fazendeiro, comerciante e político na vila de Remanso, na Bahia, e de
Ana Jussara da Silva Brasil(D. Naninha), de ascendência indígena, tendo esta
criado o neto Joaquim. Foram seus bisavós paternos a portuguesa Márcia Maria
Cristina Rodrigues da Silva e o coronel fluminense José Mariano Gregório da
Silva, destacado em missão de Petrópolis, onde servia, para o interior da
Bahia, a fim de apaziguar conflitos, aí se radicando definitivamente com a
família. Era trineto de Onésia da Silva Aguiar e de Mariano Gregório da Silva,
residentes em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Por fim, seu tetravô era o
português Gregório Silva, piloto de navio radicado no Rio de Janeiro, onde era
conhecido por “Gregório Marinheiro”. Essas informações genealógicas não são de
nossa lavra, não tendo conseguido apurá-las, mas constam de um Histórico de Genealogia, elaborado em
1987, por seu filho José Rodrigues da Silva, pastor Batista, com a colaboração
de seu parente David Câmara Batista Ramos, magistrado na Bahia. Ao que sabemos,
esses ancestrais adotaram o sobrenome Brasil como ato de ufanismo no tempo das
lutas nacionalistas que sacudiram o Nordeste, notadamente a Bahia, nas quais se
envolveram.
Joaquim
da Silva Brasil convolou núpcias em 07 de julho de 1925, na capela da vizinha
vila de “Cachoeira do Roberto”, então Município de Petrolina, hoje de Afrânio,
Pernambuco, com Antônia Maria da Conceição, de tradicional família daquela
região, com remotas origens piauienses. Era a nubente filha do fazendeiro
Teodoro Francisco Martins, falecido na “Cachoeira do Roberto”, e Adriana Maria
de Jesus, que, depois de viúva mudou com alguns filhos para o lugar “Bangüê”,
Município de São João do Piauí. Os nubentes eram primos, sendo Teodoro, filho
de Francisco Martins Santana e sua esposa Domingas Santana; e Adriana, filha de
Bertolina Maria de Jesus e seu esposo José Marreiros; Francisco e Bertolina
eram filhos do fazendeiro José Santana e sua esposa Ana Maria Ramos,
benfeitores do lugar, conservaram a capela e lideraram por muitos anos a
tradicional festa do Divino em “Cachoeira do Roberto”. Por fim, Ana Maria era
filha do abastado latifundiário e fazendeiro Roberto Ramos da Silva, mais conhecido
por “Roberto da Cachoeira”, residente em sua fazenda “Cachoeira”, depois e em
sua homenagem “Cachoeira do Roberto”, onde construiu a capela de Nossa Senhora
das Dores e promoveu a festa do Divino. Embora haja quem afirme ser Roberto
Ramos português de nascimento, informações mais consistentes indicam ser ele
natural de Oeiras(PI), filho do português Jorge Ramos, fazendeiro e funcionário
do real serviço e de sua esposa Delfina Rodrigues Seabra, tendo se mudado para
Pernambuco ainda na juventude.
Depois
de casados, Joaquim Brasil e Antonia fixaram-se por alguns anos no arraial de
“Santa Rita”, onde o cônjuge varão intensificou sua militância no magistério e
vieram ao mundo os três primeiros filhos: Josias da Silva Brasil, nascido em
14.03.1927; Paulo Rodrigues da Silva, nascido em 26.06.1931; e Etevaldo
Rodrigues Brasil, nascido em 16.08.1933. Desnecessário dizer que Joaquim Brasil
nasceu vocacionado para o magistério, lecionando com muito gosto e dedicação.
Ainda em
1933, apura seus haveres e enceta mudança para o Piauí, fixando residência no
povoado “Pavussu”, vale do rio Itaueira, hoje cidade de mesmo nome, naquele
tempo apenas um pequeno povoado do Município de Floriano. Segundo depoimento do
filho Etevaldo, seu pai deixou a família com a sogra e foi na frente para o
“Pavussu”, ali adquirindo imóvel, estruturando lavoura, contratando trabalho no
magistério e construindo uma confortável casa de tijolos e cobertura de telhas.
Somente então retornou para buscar a família. A travessia, em lombos de animais,
foi muito dificultosa, em virtude dos filhos menores e de grande seca que
assolava o Nordeste. Acrescenta o filho Etevaldo, que um dos motivos da
transferência de seu pai para o “Pavussu” era a existência de um tio naquele
povoado. Também, sua esposa tinha muitos primos naquela região, filhos de seus
falecidos tios-avós José Rodrigues da Silva e Maria Francisca do Nascimento(D.
Maria do Pavussu), acreditados fazendeiros. Era também entrelaçada com a
família Miranda, muito antiga e
extensa naquela região, de forma que estavam em casa.
No novo
domicílio Joaquim Brasil continuou a exercer o magistério, da mesma forma que
fizera no vale do rio São Francisco, em Pernambuco e na Bahia. Era um homem de
conhecimento acima da média, dominando História, Geografia, Ciências,
Português, Matemática, Topografia e outras áreas. Por essa razão, era muito
acatado por onde passava. No Pavussu, em pouco tempo alfabetizou a criançada do
lugar, passando a investir nas adjacências, indo cada vez mais distante. O seu
trabalho consistia num contrato com um fazendeiro ou líder de determinada
região para alfabetizar seus familiares e na onda iam as crias da casa, filhos
dos vaqueiros e agregados. É que o Estado ainda não estava organizado o
suficiente para manter escolas públicas fora das sedes municipais e até nestas
o ensino era deficiente. Então, era em face dessa inoperância estatal que
atuavam os professores leigos, prestando relevante serviço ao País. E, de fato,
só concluíam sua missão quando o alunado soubesse ler, escrever e dominasse as
quatro operações aritméticas. Então, mudavam de endereço, mas permaneciam
gozando da estima do contratante, dos pais e dos ex-alunos. Nesse tempo de
domicílio e trabalho no “Pavussu” nascera-lhe mais dois filhos: Jacinto
Rodrigues Brasil, em 26 de julho de 1935, quando a mulher foi ganhar o filho no
novo domicilio da mãe, no lugar “Banguê”, em São João do Piauí; e José Rodrigues da Silva, em 26 de setembro
de 1936, no lugar “Feira Velha”, encostado ao “Pavussu”.
Depois
de alguns anos o professor Joaquim da Silva Brasil mudou-se para o lugar Brejo,
município de Canto do Buriti, hoje cidade de Brejo do Piauí, onde alfabetizou a
meninada do lugar. Demorou nesse novo domicílio por pouco tempo, o suficiente
para gerar mais um filho, que aí nasceu em 29 de setembro de 1938, Abdon
Rodrigues da Silva, pai do autor dessas notas.
Então, o
professor Joaquim Brasil encetou outra grande mudança, desta feita para o
Gurguéia, fixando-se inicialmente no povoado “Várzea Grande”, então de
Jerumenha, hoje de Canavieira, onde passou a lecionar por algum tempo. Depois,
ainda no então Município de Jerumenha, lecionou no vale do Prata, território do
atual município de Landri Sales, lugares “Pequizeiro” e “Prata”, onde adquiriu
imóvel rural. Mais tarde, incompatibilizando-se com o então prefeito de
Jerumenha, que passou a persegui-lo com exagerada cobrança de impostos,
mudou-se para o vizinho lugar “Riacho d’Areia”, no Município de Aparecida, hoje
Bertolínia, a convite do coronel Manuel Emídio, então chefe político municipal.
Nessa nova região fixou residência definitiva, desenvolvendo importante ação
educacional. Desse tempo, colhemos interessantes depoimentos de seus ex-alunos,
todos elogiando a didática do mestre e agradecendo pelos conhecimentos
recebidos. Politicamente, acompanhou o grupo político dos pessedistas Manuel
Emídio Pereira da Rocha e Dermeval Mendes da Rocha, este último, cuja mulher
era prima da sua. Nesse tempo nascem-lhe os três últimos filhos: Evina
Rodrigues da Silva(28.09.1940), Maria José Rodrigues da Rocha(1944) e Antonio
José Rodrigues da Silva, em 11 de setembro de 1947. Nesse último ano viaja para
o Maranhão, onde vem a falecer. A família continuou radicada em Bertolínia,
fixando-se na sede municipal, onde a viúva faleceu em 12 de agosto de 1980.
Todavia,
a ação educacional desenvolvida pelo mestre Joaquim da Silva Brasil se fez
notável, sobretudo numa região desassistida dos poderes públicos. Foi um
benemérito que contribuiu decididamente para o combate ao analfabetismo no
sertão longínquo. Entendia como Monteiro Lobato, que um País se faz com homens
e livros. De todo modo, fez a sua parte, de forma que seu nome permanece
lembrado como uma legenda entre seus alunos, muitos hoje já no entardecer da
vida. Com essas notas resgata-se a memória de um profissional que enfrentou
toda sorte de adversidade, vivendo, lutando e morrendo pela educação. Portanto,
nada mais justo que preservar a sua memória honrada, na esperança de que essa
luta pelo soerguimento da educação frutifique. Assim seja.
Reginaldo Miranda
Presidente da
Academia Piauiense de Letras
Blog Bruno Brito
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