Quanto mais discutem a reforma da Previdência, mais certeza analistas e parlamentares têm de que será preciso fazer muito mais mudanças no texto do que as que foram admitidas pelo presidente Jair Bolsonaro. Já são vistas como perdidas as alterações propostas no Benefício de Prestação Continuada (BPC), as regras mais duras impostas para a pensão por morte e os novos requisitos para aposentadoria rural. Especialistas calculam que a perda com os cortes será de pelo menos R$ 200 bilhões em 10 anos, 18% do total de economia esperada pelo governo com a reforma no mesmo período.
Colocar um valor abaixo de um salário-mínimo para o BPC, pago a idosos de baixa renda, é um dos pontos praticamente impossíveis de passar pela comissão especial que analisará o texto. Foi muito malvista a ideia do governo de pagar um benefício de R$ 400 para idosos entre 60 e 70 anos, apesar de adiantar o recebimento, que hoje só é possível a partir dos 65 anos. Atualmente, não existe BPC abaixo de um salário-mínimo (R$ 998 mensais neste ano). É um tema que, nas palavras do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), “contamina a reforma”.
Antes de o governo enviar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, em 20 de fevereiro, o assunto já era discutido nos corredores do Congresso. Sempre com a mesma conclusão: se chegasse com mudanças no BPC, elas seriam barradas. Mesmo os aliados mais fiéis do governo sabiam dessa limitação, o que leva a crer que é um dos “bodes” colocados na sala — pontos que foram incluídos, mas que o governo sabia que seriam tirados durante as negociações. “Se as mudanças forem muito amplas, o risco não é de não ter reforma, é ela ser muito tímida”, resumiu a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.
Outra questão igualmente delicada é a aposentadoria rural. É mais uma batalha que o governo já chegou perdendo, ao propor o fim da diferença de idade entre homens e mulheres e a contribuição mínima e individual de R$ 600 por ano, independentemente da quantia comercializada. Essa exigência pesa mais para os pequenos produtores, que hoje contribuem sobre as vendas efetivas.
Outro problema é o fato de que, no meio urbano, homens poderão se aposentar aos 65 anos e as mulheres, aos 62, mas, para os trabalhadores rurais, a diferença foi retirada. Todos precisarão completar 60 anos, embora no campo sejam mais comuns as duplas jornadas das mulheres, argumento usado para manter a diferenciação do outro grupo.
“Seria mais prudente não ter colocado esses pontos (BPC e rural). Aposentadoria também é questão de justiça. Se é para acabar com privilégios, deve atacar quem tem privilégios, não essas pessoas”, afirmou o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA). Ele lidera o chamado “blocão”, grupo de 302 deputados de 11 partidos, essenciais para a aprovação da PEC na Casa.
A proposta também exige 20 anos de contribuição para que homens e mulheres que trabalham no campo, até os que se dedicam ao regime de economia familiar, possam se aposentar. Para o economista Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas (FGV), “não tem como não mexer nisso”.
É o mesmo tempo que será cobrado de trabalhadores urbanos e que tem sido atacado, principalmente, por deputados de esquerda. Na proposta do ex-presidente Michel Temer, eram mantidos os 15 anos de contribuição exigidos atualmente para aposentadoria por idade. A exigência de 20 anos afeta quem hoje se aposenta por idade, justamente o grupo menos favorecido, que não consegue provar vínculo empregatício suficiente para se aposentar por tempo de contribuição.
Também haverá mudança no cálculo para pensão por morte, que Bolsonaro já admitiu que será diferente do que foi enviado. A PEC propõe que comece com 60% do benefício e sejam acrescentados 10% por dependente. No Congresso, a menor das mudanças será passar a base para 70%, como disse o presidente.
A expectativa dos parlamentares, que preocupa parte da equipe econômica, é de mudanças também no limite para acumular pensões e aposentadorias. Hoje, não há limitação. Pelo projeto, o segurado receberá o maior benefício e uma porcentagem do outro, desde que o segundo não ultrapasse quatro salários-mínimos. O cálculo será feito por faixa salarial.
Limbo
Marconi acredita que há itens que o governo não tem como sustentar, como BPC e aposentadoria rural, mas que o Congresso deve manter o indispensável: idade mínima e igualdade de regras entre trabalhadores do setor público e do privado. Uma questão que também tem muita chance de ser alterada é a transição, por ser considerada muito curta, de 12 anos. Parlamentares de diversos partidos já estudam propostas alternativas, que apresentarão como emendas durante a discussão na comissão especial.
Outro ponto que será atacado legislativamente e, também, no Judiciário é a questão das alíquotas progressivas, alvo do funcionalismo público. Os servidores precisarão contribuir com até 22% dos salários brutos, sendo que as maiores alíquotas serão para os que recebem “supersalários” — acima do teto, que é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 39,3 mil, atualmente.
Apesar do apelo por corte de privilégios se encaixar bem nessa proposta, já que a alíquota para quem recebe um salário-mínimo vai ser menor do que a atual (de 8% para 7,5%), o lobby dos servidores públicos é um dos mais fortes do Congresso. Por isso, ainda há dúvidas sobre a possibilidade de se reverter esse ponto. “Acho que o Brasil avançou muito na questão e o momento é de tirar esses temas da Constituição, até para dar flexibilidade. Não considero um ‘cheque em branco’, porque qualquer mudança continua tendo que passar pelo Congresso”, argumentou Zeina Latif, da XP Investimentos.(Diário de Pernambuco)
Blog Bruno Brito
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